Palavra do Coodenador


No exercício da função institucional de defesa do meio ambiente no Município de Cuiabá desde 2001, foi possível identificar problemas semelhantes aos de outras cidades brasileiras que vivem o processo de urbanização acelerada e descontrolada.

A principal dificuldade tinha como origem a ineficiência do município, alheio a suas responsabilidades com relação ao ordenamento urbano e às ocupações ilegais em áreas de preservação permanente - APP e em nascentes.

Acrescente-se a isso a prevalência de estudos apresentados pelos empreendedores nos procedimentos de licenciamento, mormente em face de uma grave deficiência técnica do município.

Com relação às invasões de áreas urbanas, o Executivo não atuava com agilidade e competência para adotar as medidas inerentes ao seu poder-dever de polícia, gerando as chamadas situações consolidadas.

A primeira tentativa de se reverter esse quadro ocorreu em dezembro de 2010, quando, com a ajuda de profissionais da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, foi elaborado e encaminhado ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso projeto que pretendia criar uma base de dados georreferenciada para buscar a identificação e proteção das nascentes urbanas de Cuiabá.

À época não foi possível a execução desse projeto por uma série de fatores, dentre eles a ausência de parceiros.

No ano de 2015 recebemos informações técnicas que afirmavam a possibilidade de um colapso em poucos anos, caso não fosse contida a degradação de nascentes, corpos d’água e APPs.

A ideia do projeto Água para o Futuro nasceu da vontade de interferir nesse processo e interromper esse ciclo.

A chefia do Ministério Público do Estado de Mato Grosso manifestou prontamente sua anuência e total apoio ao projeto, que tem como partícipes o Instituto Ação Verde e a Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.

Os desafios são muitos e consideráveis: a) persiste a ineficiência do município, que não possui uma política pública urbana voltada para a proteção de APPs e mananciais; b) as invasões aumentaram, existindo verdadeiras quadrilhas especializadas em loteamentos clandestinos, estimuladas pela omissão do poder público municipal; c) o índice de degradação das APPs e nascentes já começa a colocar em risco o abastecimento da população com água potável; dentre outras mazelas.

Não é exagero dizer que o projeto Água para o Futuro é a única esperança de Cuiabá para que não ocorra a falência do sistema superficial de abastecimento (fio d’água), já bastante comprometido. Basta lembrar que de 2008 aos dias atuais foram degradadas, por aterramento, cerca de 46% das nascentes, e menos de dois por cento delas se encontram preservadas.

A base de dados do projeto inclui imagens históricas da área urbana de Cuiabá georreferenciadas, modelo digital de elevação de terreno, cursos d’água, zoneamento urbano, delimitação geoespacial das áreas de preservação permanente, monitoramento por VANT, levantamento planialtimétrico etc.

Os procedimentos adotados pelas equipes da UFMT e do Centro de Apoio Operacional - CAOP do Ministério Público de Mato Grosso para a identificação de nascentes foram elaborados com consistentes critérios técnico-científicos, que buscam a precisão e a imparcialidade na produção do conhecimento, especialmente em relação a análises de solo em superfície e subsuperfície, de bioindicadores, de água (incluindo verificação da existência de metais pesados), das condições meteorológicas; medição do nível d’água; colocação de poços de monitoramento nos locais de surgência; identificação da idade da água; instalação de marco geodésico; utilização de equipamentos de alta precisão e de sistemas de informação geográfica; trabalhos de campo considerando os critérios de sazonalidade; dentre outros.

A grande tarefa que se apresenta é demonstrar aos mais incrédulos que evitar a crise é factível, mas ela é iminente se perdurarem a ineficiência do poder público e a insanidade dos degradadores.

Para esses, importante lembrar a situação de muitos grandes centros políticos e econômicos (a exemplo de São Paulo e Brasília), que atualmente se encontram em profunda crise hídrica, que afeta o abastecimento com água potável. Os recursos hídricos dessas cidades foram degradados a ponto de não atenderem a demanda da população, e agora o abastecimento depende de lagos de inundação e poços artesianos, além de obras faraônicas, que exigem grande investimento, algumas de eficácia técnica questionável, como sabemos.

O orçamento anual de Cuiabá torna atualmente impossível adotar soluções como as escolhidas pelas mencionadas cidades.

Assim, a única alternativa é a proteção das nascentes, das áreas de preservação permanente e das áreas úmidas urbanas, que, além de água, fornecem importantes serviços ecossistêmicos, como paisagem, refúgio de fauna e flora, fluxo gênico, regulação de microclima, proteção do solo e estabilidade das encostas.

Enfim, proteger as nascentes e áreas de preservação permanente é proteger a vida e a qualidade de vida. Além de ser uma decisão sábia. O sábio aprende sem sofrer.